SE O JUIZ NÃO É DEUS, ENTÃO QUEM É O JUIZ?

29/11/2014 08:21

 Até quando vai o entendimento do abuso?

 

O Estado que busca a paz, a ordem e manutenção da paz pública, tem a função de organizar as coisas nos seus devidos lugares, mas em alguns momentos a situação sai do controle e começa a discussões sobre determinados temas de justiça.

Uma agente de transito da guarda municipal do rio de janeiro foi condenada pela justiça a indenizar um juiz em R$ 5 mil, por danos morais.

Para a justiça fluminense, a agente agiu com abuso de poder para com o juiz, que estava sem a carteira de motorista e conduzia um carro sem placas e sem documentos. Na sentença, desembargador responsável pelo caso afirma que a servidora ofendeu o juiz, “mesmo ciente da relevância da função pública por ele desempenhado”. Ela teria dito que ele era “juiz, mas não Deus”.

A servidora diz, na ação, que diante das irregularidades alertou o juiz da proibição de continuar com o carro e da necessidade de apreensão do veiculo. Ela alegou que irritado, o magistrado se identificou como juiz e lhe deu voz de prisão (qualquer cidadão pode fazer isso, art. 301 do Código do Processo Penal), determinando que ela fosse conduzida à delegacia mais próxima.

 Primeiramente temos que saber qual o conceito de autoridade, preceituado no artigo 5° da lei 4.890, de 9 de dezembro de 1965, no qual regula o direito de representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade:

 

 Art. 5° considera-se autoridade, para efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

 

O artigo expõe o conceito para se saber quem é a autoridade, ou seja, por exemplo, as autoridades podem ser os juízes, militares, policiais e agentes públicos de maneira geral.

Os agentes públicos devem saber duas coisas importantes no tema dessa lei, a discricionariedade (o funcionário público deve agir e atuar de forma extremamente dentro dos limites da lei). Enquanto nós, não autoridades podemos fazer qualquer coisa que a lei não proíba, as nossas autoridades (servidores públicos) por estarem materializando o Estado, devem agir somente como manda a lei. Quando eles passam a abusar do poder, a partir daí começa a arbitrariedade.

Se ele sabe que ele está passando do limite da lei, ela sabe que comete abuso de poder ou autoridade.

A guarda municipal indignada com a situação, foi até o judiciário (Isso mesmo, foi ela que foi até a justiça!) para deferir uma representação contra o “Juiz Deus ou Deus Juiz”, mas vamos observar primeiro, como é que podemos obter o direito de representação, pois com certeza essa mesma guarda, não sabendo muito sobre o direito ou talvez mal assessorada, ou talvez tivesse dormido na aula de direito no curso que ela recebeu pra vestir a farda de guarda municipal, esqueceu de observar e ler com atenção a letra da lei, que fala:

 

Art. 1°: O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civile penal, contra autoridades que, no exercício de suas funções, cometeram abusos, são regulados pela presente lei.

 

Isso mesmo, se o juiz estivesse no exercício da função, aí sim a guarda municipal poderia entraria com uma representação de abuso de autoridade. Ela não se atentou que “o deus” estava no seu horário de folga, mas será que a famosa ‘carteirada’ servia para a representação?

Essa é uma dúvida freqüente no que diz respeito à possibilidade de a autoridade praticar abuso fora do exercício da função, mas o STJ assim se posicionou: “comete delito o agente que mesmo não estando no exercício da função age invocando a autoridade do cargo, com exibição da carteira funcional (RT 665/359)

Isso mesmo amigos, mas o Juiz não deu a ‘carteirada’, apenas falou que era Juiz (ou será que foi Deus?), pois conforme esse conceito o desembargador diz na sentença : “além disso, o fato de recorrido se identificar como juiz de direito não caracteriza a chamada ‘carteirada’, conforme alega a apelada”.

Porém ela perdeu a razão ao desferir a celebre frase que “juiz não é deus” (será mesmo?) e quem cometeu o abuso de autoridade no momento foi ela, pois mesmo que o juiz esteja todo errado, mas ainda é uma autoridade pública igual a ela, e mesmo se fosse um mero mortal como nós, ela não pode ofender ninguém.

 

O que a guarda deveria realmente fazer:

 

Já que o Juiz estava lhe desacatando, ela deveria abrir uma ação por desacato, sem desferir essas palavras e não o abuso de autoridade.

 

Art. 331 do Código Penal: desacatar funcionário público no exercício de sua função, ou em razão dela:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

 

Assim ela conseguiria alguma coisa do juiz, mas em falar de abuso de autoridade do magistrado, ele não cometeu, pois um abuso foi ela.

Não querendo defender ninguém, mas podemos nos fazer uma singela pergunta:

Se a Guarda de trânsito municipal falou que “Juiz não é Deus” desferindo essas palavras  com uma autoridade que ela sabe ser acima da dela (já fui militar e sei como é isso de “Disciplina e Hierarquia”, muitas vezes estava certo, mas tinha que ouvi daqueles que tem “patente alta e bigode grosso” que estava errado) imagina o que ela fala se nós, meros mortais,  estivéssemos errados e parássemos na Blitz dela?

Mas lógico para aqueles que não são estudantes de direito, com certeza vem à pergunta na cabeça: Se foi ela quem entrou com o pedido de representação, então porque foi o juiz que ganhou a questão?

Vamos lá, amiginhos, existe uma coisa chamada reconvenção ou se for aos Juizados especiais chama-se pedido contraposto (art. 278, § 1° do CPC).

Reconvenção é um instituto de direito processual, pelo qual o réu formula uma pretensão contra o autor da ação, ou seja, a reconvenção ocorre quando o réu processa o autor, no prazo em que está se defendendo.

Pois é, amigos. Se o juiz não é Deus, mas ele que observa a lei. Como dizem por aí que Deus é brasileiro, quem sou a me arriscar, a saber, quem é ele ou mesmo bater de frente com ele para pagar indenização?

Depois de um episódio desses só me vem a certeza: Se Deus é brasileiro com certeza ele é juiz.